Patioba: 03/2012

sábado, março 03, 2012

- É grave. É muito grave.
(...)
- Vai correr tudo bem.
(...)

O caminho para casa foi feito em silêncio, dormente. Quase sem respirar. Com a vida a passar na minha cabeça em fast forward supersónico. E a ouvir um NÂO, em loop.
(...)

Vejo-te frágil. As lágrimas saltam-te, literalmente, dos olhos quando o médico entra. Saio, para que não fiques constrangido.

Sai o médico. Cruzamo-nos no corredor. Podia ter ficado, diz-me. Agradeci. Expliquei, atabalhoadamente enquanto ele continuava a andar em direcção ao fundo do corredor, que me pareceu melhor deixá-los conversar sozinhos. Ainda consegui perguntar o que lhe parecia - que raio de pergunta esta. Contem com poucos anos disse-me, já virado para trás, naquele intervalo de sombra entre as duas lâmpadas do tecto. Só me lembro que falava alto e usava óculos de armação escura. Poucos anos. Pareceu uma vitória naquele segundo. Anos.

Regresso à sala. Estamos sozinhos. Sento-me ao teu lado. Choras. É uma dor que nunca conseguirei descrever. Tu, a chorar. As lágrimas a saltar da cara. Era a terceira vez, em toda a minha vida. Dói.

Abraço-te e digo em tom de pergunta: - Estás apreensivo, não é? Preferi assim, Não queria ouvir nenhuma resposta. Não queria que me dissesses o que sentias. Sei que nunca dirias, mas se dissesses a verdade daquilo que eu sei que estavas a pensar não ia conseguir manter a aparência de normalidade. - Vai correr tudo bem, vais ver!, disse-lhe.

Felizmente regressaram todos à sala e começamos a combinar uma ida à Disney com as crianças. Olhava para ti e sabia que estavas distante. Sabia que a nossa conversa interrompia, aqui e ali, os teus pensamentos. Às vezes parecia que te ouvia gritar: Já não vou participar nessa viagem. Ou então eram os meus  pensamentos que me estavam a martelar isso ao ouvido. Havemos de lá ir, sim, Todos. Como combinámos naquele dia.

Patetas alegres. Para que não sofresses. Ou sofresses menos.

(...)

- Ainda tenho muito que fazer... Quero despachar isto rápido, que ainda tenho muito que fazer...

(...)

-Ai, já não consigo chegar aí para te dar um beijo, disse-te rindo. Queria que percebesses que estava "tudo bem", apesar do "tudo" que não estava. Queria que percebesses que continuávamos a rir e a  brincar. Para que não te preocupasses. Seguia tudo dentro da normalidade. Como se esta suposta normalidade do lado de cá retirasse a gravidade da situação....

- Não faz mal, dizes-me. Fica um para agora e outro para depois. Para sempre. Para todo o sempre, pai. Foi este o último e a última vez que realmente estiveste ali.



Não sou de deus ou de deuses, mas às vezes  os acontecimentos, ainda que sem ligação,  parecem encaixar de tal forma que começa a ser difícil pensar que sejam apenas coincidências.